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Saúde mental no luto

A saúde mental corresponde muito mais do que somente à ausência de doenças mentais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), saúde mental é um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de usar as próprias habilidades, recuperar-se do estresse rotineiro, ser produtivo e contribuir com a sua comunidade.
 

Diante da perda de um filho, há o processo de luto, que afeta o estado mental, a relação com a vida, com pessoas, com contextos, com o trabalho e com a produtividade. Portanto, é um acontecimento que impacta também a saúde física e a mental. Inúmeras sensações de perdas, em vários níveis, podem surgir na nossa realidade e, por isso, consideramos que não vivemos somente um processo de luto, mas processos – sim, no plural. E sabemos que, para a imensa maioria das pessoas, viver todas essas perdas, todas as despedidas, acaba por acontecer em meio a vida que não para no mundo “lá fora” ou mesmo na própria rotina dentro de casa. Precisamos dar conta dos lutos em meio a muitos outros desafios: sejam eles físicos, mentais, relacionais, ocupacionais, financeiros, espirituais, familiares, sociais, urbanos etc.
 

Como é possível viver o luto de maneira mais orgânica e saudável, preservando a saúde mental, dentro do possível, ou cuidando ao máximo para que o sofrimento não se transforme em um adoecimento no nível psíquico? Não existe uma resposta única para isso, mas vamos apontar caminhos e recursos de apoio fundamentais para que sua jornada possa ser o mais protegida possível em relação aos impactos sobre sua saúde física e mental.
 

É importante saber e compreender que o processo de luto não é adoecimento, mas que pode parecer assim. Afinal, não temos o tempo e as necessidades de enlutamento respeitadas e apoiadas em nossa cultura e sociedade, mas também porque pode haver um processo anterior ao luto, que se mistura a ele: talvez você já estivesse em esgotamento mental, vindo de um período de muitos desafios, talvez já estivesse vivendo um quadro de ansiedade ou depressão, talvez exista outro transtorno mental em sua história de vida, quer tenha sido ele diagnosticado ou não, talvez você tenha uma bagagem de experiências traumáticas...
 

Para ajudá-la a viver seu processo de luto com mais cuidado, apoio e respeito, diferenciar os sinais de diversas origens de sofrimento psicológico pode ser necessário para que você também obtenha o tratamento adequado e se recupere para poder viver o seu luto.
 

Existem distintos tipos de sintomas e transtornos de humor ou mentais que a população em geral ainda pouco conhece – condições essas podem se beneficiar de um diagnóstico e tratamento adequados. Esses processos de adoecimento não devem ser vistos como “frescura” ou “incapacidade”; são o que o nome diz: adoecimento. Precisam de tratamento que, felizmente, existe, e com o cuidado adequado você pode sentir-se melhor e com mais condições de enfrentar perdas e de seguir com a vida.
 

Um tratamento adequado não deve anular o seu luto nem impedi-la de viver seus processos de lutos. Por isso, a importância de se informar, de frequentar grupos de apoio entre pessoas que estejam passando por momentos semelhantes, e de ter uma boa rede de apoio pessoal e profissional – neste caso, a rede profissional de saúde é o diferencial que pode, inclusive, salvar vidas em ocasiões de muito sofrimento mental e emocional. Não se esqueça: você não está só! Há pessoas que podem ajudar, e estamos aqui para auxiliá-la a encontrar profissionais e instituições que façam diferença positiva e protetora nesse momento. Lembre-se de que você merece se sentir melhor.
 

Muitos dos sintomas de ansiedade e depressão podem ser confundidos com os de processos do luto. No entanto, se ao longo de duas semanas os sintomas pioram, não há qualquer sensação de alívio ou há muita dificuldade em ter o espaço/apoio necessário para viver o seu luto, é possível que você esteja vivendo ou desenvolvendo um transtorno de humor ou mental.

Abaixo está uma lista de sinais de que talvez você esteja precisando de apoio psicológico e/ou psiquiátrico, para que haja menos sofrimento ou agravamento da situação atual (com base na ferramenta de discussão criada pela organização Postpartum Support International).
 

  • Sentimentos de depressão, desesperança ou a ausência de sentimentos;

  • Falta de interesse nas coisas que antes traziam prazer;

  • Dificuldades de concentração;

  • A mente e os pensamentos parecem meio nebulosos;

  • Sem apetite;

  • Sensação de ansiedade ou pânico;

  • Raiva ou irritação;

  • Tontura ou palpitações;

  • Insônia;

  • Preocupações ou medos extremos;

  • Flashback relacionados à gravidez, ao parto ou ao momento da perda;

  • Evitar coisas relacionadas à gravidez ou ao parto;

  • Pensamentos assustadores ou indesejados;

  • Necessidade de repetir certos comportamentos ou rituais para sentir alívio ou reduzir a ansiedade;

  • Poucas horas de sono, mas com bom funcionamento do corpo;

  • Sentir mais energia do que de costume;

  • Ver imagens ou ouvir sons que outras pessoas não podem ver/ouvir;

  • Ter pensamentos de machucar/ferir a si.

 

Agora, aqui você encontra uma lista de fatores de risco ligados à depressão ou ansiedade no período perinatal e também ao risco de desenvolver transtorno de estresse pós-traumático. Conhecer esses fatores de risco em tempo pode ajudar você a se comunicar melhor tanto com a sua família quanto com a equipe médica que a acompanha, a fim de desenvolver uma estratégia de autocuidado e de cuidado mais adequada para as possíveis necessidades e dificuldades que venham a surgir durante o seu processo de luto. Esteja atenta aos fatores de risco que se aplicam na sua história de vida e saiba que eles não são determinantes, ou seja, fatores de risco não dizem que você terá determinado problema.  Mas eles aumentam as chances de que você tenha mais desafios e dificuldades nos seus processos de adaptação a grandes mudanças ou em momentos de crise.

 

  • Histórico de perdas gestacionais/perdas perinatais anteriores;

  • Histórico de depressão ou ansiedade;

  • Histórico de transtorno bipolar;

  • Histórico de surto psicótico psicose;

  • Histórico de diabetes ou problemas na tireoide;

  • Histórico de síndrome pré-menstrual;

  • Histórico de traumas sexuais ou abusos;

  • Histórico de doenças mentais na família;

  • Gravidez ou parto traumáticos;

  • Gestação de gêmeos/gestação gemelar;

  • Ter experienciado um bebê na UTI neonatal;

  • Dificuldades de relacionamento;

  • Dificuldades financeiras;

  • Maternidade solo;

  • Maternidade na juventude/gravidez na adolescência;

  • Nenhum ou pouco suporte social ou rede de apoio;

  • Estar longe de sua cidade ou do seu país de origem.

     

Para conhecer um pouco mais sobre os diferentes tipos de transtorno de humor que podem se desenvolver no período entre gestação e pós-parto, e isso inclui as vivências de luto nesses contextos, acesse o texto explicativo da organização internacional Postpartum Support International: https://www.postpartum.net/brasil/depressao-pos-parto/.
 

As rodas de apoio gratuitas e on-line a famílias enlutadas costumam ser um caminho de acolhimento e apoio direto ao processo de luto, além de uma primeira forma de prevenção ao desenvolvimento de transtornos mentais/de humor, bem como suporte no tratamento – são encontros que indicamos fortemente. Saiba como participar das rodas clicando aqui.
 

Para obter apoio psicológico individual ou para casais, o Instituto do Luto Parental trabalha com encaminhamento/indicação de profissionais e/ou instituições. Para isso, clique no botão abaixo para obter ajuda, seja através de plantão psicológico ou de atendimento de outras formas (saiba mais sobre plantão psicológico clicando aqui).









 


É importante saber que há vários caminhos possíveis para compor o tratamento de transtornos mentais e de humor, e cuidar do sofrimento psíquico. Há um forte tabu em nossa cultura em torno dos tratamentos  relativos à saúde mental e muitas pessoas podem ter receio de precisar fazer uso de medicação. No entanto, saiba que nem sempre a medicação é necessária. E se for necessária, há diversos tipo de medicação, você pode conversar com um profissional de saúde e tirar todas as suas dúvidas, e ter sua autonomia de escolha e decisão levada em consideração nas escolhas de tratamento.

Cuidados com o corpo através da nutrição adequada, de atividade física, da proteção e regulação do sono, de práticas de meditação/mindfulness/atenção plena, os grupos de suporte social entre pares (entre pessoas que estejam passando por vivências semelhantes ou com aspectos em comum), a psicoterapia e terapias complementares, o apoio médico e até o uso de medicações combinadas aos demais elementos podem ser formas de tratamento e prevenção. A combinação de recursos no tratamento precisa ser individualizada, pois cada pessoa é singular, única em seus processos, suas necessidades, suas dificuldades e contexto de vida.

Reforçamos: a sua autonomia e sua relação com a vida também pode ser levada em conta no momento de encontrar os tratamentos que possam te ajudar, não tenha receio de conversar com um profissional de saúde, e nem desista de procurar ajuda profissional, caso não se sinta amparada por algum profissional com quem tenha tentado conversar anteriormente. 

Os encaminhamentos e apoio que oferecemos aqui no Instituto não se aplicam a situações de emergência psicológica. Se você sente que sua vida está em risco crescente ou iminente, se sente que a intensidade emocional coloca você em risco de ações que possam ferir a si mesma (o) ou a outras pessoas, entre em contato com um serviço médico de urgência e emergência. Se houver risco e seu sofrimento está aumentado também por violência em sua casa, não hesite em procurar um serviço de apoio. Tentar contato telefônico com algum profissional que já te acompanha pode ser útil nesse momento, mas é importante que você procure um serviço especializado em atendimento de urgencia/emergência. Abaixo, você encontra os telefones dos serviços de emergência que indicamos. Caso não seja possível aguardar atendimento via telefone, procure imediatamente o hospital ou o serviço de saúde de pronto-socorro mais próximo de você.


Risco de suicídio – CVV – disque 188

O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo sob total sigilo, voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar. O serviço funciona por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias.

Use a linha telefônica e disque 188 para falar diretamente ou acesse o site www.cvv.org.br.
 

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAMU (pronto-socorro) – disque 192

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) tem como objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido alguma situação de urgência ou emergência que possa levar a sofrimento, sequelas ou morte. São consideradas urgências situações de natureza clínica, cirúrgica, traumática, obstétrica, pediátrica, psiquiátrica, entre outras. Para utilizá-lo, basta ligar para 192.

Informações retiradas do site do Governo Federal.

Central de Atendimento à Mulher no Brasil – ligue 180

A Central de Atendimento à Mulher – ligue 180 presta escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgão competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.

O canal também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (DEAM), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.

A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher. O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.

Informações retiradas do site do Governo Federal.

Se você reside fora do Brasil, você pode buscar informações com instituições como a Casa do Brasil, que existe em alguns países, como Portugal e Inglaterra, e tentar obter informações sobre outros serviços similares mais próximos de sua casa. Iniciar o acompanhamento de psicoterapia e participar dos grupos de apoio pode também te ajudar a encontrar outros recursos, pois são atividades que podem ser realizadas online e talvez mais fáceis de você começar de imediato.

A leitura de bons livros e informações bem embasadas, atualizadas, sobre luto e sobre saúde mental, pode atuar como fatores protetores para sua jornada de cuidados. Conheça o novo livro que publicamos aqui pelo Instituto do Luto Parental, chamado "Perdi meu bebê - uma companhia para atravessar o luto gestacional, perinatal e neonatal, escrito por nossa coordenadora e psicóloga Damiana Angrimani e outras profissionais colaboradoras. 

Espero que este conteúdo possa te ajudar a encontrar o apoio adequado, o melhor apoio possível em sua localidade, e que você siga cuidando de si, sendo cuidada (o). Em breve teremos aqui dois questionários utilizados no rastreio de sintomas de depressão e ansiedade, siga aqui pertinho da gente, acompanhando o nosso site e nosso instagram.

Um grande abraço,
Josie Zecchinelli Horta Marques da Cunha - 
CRP 02/22549
Psicóloga - Coordenadora do Instituto do Luto Parental e do Instituto Maternidade Consciente




Referências:

PERINATAL Mental Health Discussion Tool. PSI. Disponível em: https://www.postpartum.net/resources/discussion-tool/. Acesso em: 30 jan. 2022.

SAIBA mais sobre os transtornos de humor e ansiedade perinatais. PSI Brasil. Disponível em: https://www.postpartum.net/brasil/depressao-pos-parto/. Acesso em: 30 jan. 2022.

SAÚDE MENTAL. Pense SUS. Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/saude-mental. Acesso em: 30 jan. 2022.

 

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